Cafeína: mocinha ou vilã para a saúde intestinal?

Gabriel Loureiro

Aluno da pós-graduação da Plenitude Educação

@gabrielloureiro.nutri

A cafeína é uma substância estimulante amplamente consumida entre a população mundial e atletas competitivos de diversas modalidades esportivas. Esta grande popularidade da substância ocorre tanto por conta da cafeína estar presente em diversos alimentos in natura/ultraprocessados (como, por exemplo, chás, cafés, cacau, achocolatados, energéticos e refrigerantes do tipo cola), como por conta de seu consumo agudo ter a capacidade de promover uma rápida melhora da performance cognitiva e/ou motora de seus usuários, que, quando utilizada de forma individualizada, pode promover incrementos ao desempenho de atividades aeróbicas (endurance, intermitentes e sprints) e aumento da vigilância/atenção ao longo do dia, seja via a ingestão da cafeína em cápsulas, ou por meio do consumo de seus alimentos fontes.

Derramando bebida de café quente

Com isso em mente, é importante apontar que, após verificar o registro alimentar de 270 atletas canadenses de diferentes esportes, Tunnicliffe e colaboradores (2008) constataram que o consumo de cafeína, durante a rotina de treinamento dos competidores canadenses, era realizado por meio da ingestão, prioritária, dos famosos “cafézinhos”, seguido pelo consumo de chás (do tipo preto e/ou verde),  principalmente, entre os consumidores de dosagens moderadas a altas da substância (193-895 mg de  cafeína/dia). Em complemento a este dado, um estudo recente, realizado no Brasil, apontou que o principal veículo de entrega de cafeína entre brasileiros (desportista ou não) é através da ingestão diária de café, indicando que 96.4% dos participantes consumiam entre 1 a 4 porções de café ao longo de seus dias.

Sob este aspecto, embora o uso da cafeína e de suas principais fontes alimentares terem boas discussões relacionadas aos seus efeitos diretos no Sistema Nervoso Central (SNC), no Sistema Cardiovascular (SC) e no tecido adiposo/muscular, os efeitos da cafeína no trato Gastrointestinal (TGI) são menos explorados pela comunidade científica e pouco discutidos por profissionais da área da saúde, como médicos e nutricionistas.

Digno de nota, é válido apontar que mesmo com a carência de estudos/debates realizados com enfoque na saúde intestinal, tanto a cafeína como outras substâncias presentes em seus principais alimentos fontes vem sendo sinalizados como componentes de grande relevância para as mudanças do STGI. Existindo um aumento significativo de pesquisas retratando a influência dos ácidos clorogênicos (CGA), das melanoidinas e, também, das fibras solúveis (galactomananas e proteínas arabinogalactan) no STGI, sendo, corriqueiramente, associadas ao consumo crônico e/ou elevado de cafeína e que podem ser interessantes, ou não, a públicos específicos.

Em complemento, existem evidências epidemiológicas que relacionam o consumo moderado a alto de café cafeinado (2-4 xícaras/dia) a um menor risco de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), como, por exemplo, a síndrome metabólica, o Diabetes Mellitus do Tipo 2 (DM2), a doenças cardiovasculares e, até mesmo, a progressão/ incidência de câncer colorretal em seres humanos.

Dito isto, o foco em alterações do TGI, a partir da manipulação dietética da cafeína e das principais substâncias presentes no café/chás, são de crescente interesse e necessitam de esclarecimentos frente a um possível efeito terapêutico. Uma vez que alterações em populações de bactérias intestinais específicas, presentes na microbiota intestinal de humanos, já foram correlacionadas a incidência de diabetes, obesidade e ao câncer colorretal e que o consumo tanto do café, como da cafeína isolada foram capazes de induzir um crescimento/inibição diferenciado de algumas dessas populações.

Alterações no funcionamento do TGI

Pode-se dizer que os componentes do café, após o seu consumo, são direcionados ao plasma sanguíneo em 2 fases distintas, mediante a alimentação administrada com a bebida. A primeira fase ocorre após os 30-120 minutos da ingestão da bebida, onde ocorre a absorção, principalmente, da cafeína tanto por meio do seu contato com o estômago, como no intestino delgado, sendo um período recomendado para a administração da substância para fins esportivos pré-exercícios.

Posteriormente, na segunda fase (8-12h após o consumo), as substâncias mais resistentes a enzimas digestivas sofrem fermentação pela microbiota intestinal, sendo absorvidas no cólon (melanoidinas, ácidos clorogênicos (CGA) e catequinas). Além disso, é evidenciado que o consumo de cafeína e de café cafeinado têm a capacidade de afetar a motilidade intestinal (movimentos peristálticos) e a secreção de fluidos no jejuno e no duodeno de seres humanos, principalmente após as primeiras horas após seu consumo.

Digno de nota, é sinalizado, pela literatura acadêmica atual, que o consumo da cafeína/café.

cafeinado deve ser realizado com cautela por atletas de endurance em dias de competições (com relados frequentes de sintomas gastrintestinais durante a sessão de exercício), e por indivíduos que apresentem episódios de refluxos gastroesofágico, principalmente dosagens moderadas e altas (>200mg de cafeína.dia-1 ou consumo > 1 xícara de café cafeinado/dia)

Estes sintomas relacionados a ingestão da cafeína e o concomitante aumento na produção de ácido gástrico e quadros de azia / desconforto gastrointestinais que, em parte, são induzidos pelas substâncias nas horas posteriores ao seu consumo. Porém, é valido salientar que quando se compara as respostas gástricas do consumo de café (cafeinado) x café (descafeinado) x cafeína isolada x substância placebo, o café cafeinado foi a substância que apresentou maior resposta, sendo seguido pelo café descafeinado a e cafeína isolada. Isso indica que por mais que a cafeína possa ser a grande responsável por alterações no funcionamento do TGI, outras substâncias presentes no café possam ter relação com o aparecimento de sintomas, e por isso não devem ser descartadas.

A atividade dos microrganismos que habitam o trato gastrointestinal tem papel importante na homeostase dinâmica e saúde intestinal. Atualmente se investiga o impacto desta interação com o metabolismo dos tecidos e sua relação com o desenvolvimento de doenças. Neste sentido, algumas espécies bacterianas foram identificadas e apontadas por sua relação com a carcinogênese colorretal (Streptococcus Bovis, Helicobacter Pylori, Bacteroides Fragilis, Enterococcus Faecalis, Fusobacterium spp., Clostridium septicum Escherichia coli), enquanto outras (A. muciniphila, Actinobacteria, Fusobacterium, Escherichia-Shigella, Ruminococcus, Streptococcus, Firmicutes) parecem estar mais relacionadas com perfil as alterações no metabólico/tecido adiposo.

No que diz respeito à relação a microbiota intestinal e cafeína estudos in vitro sugere, que esta substância tem efeito antibacteriano (ex: diminuição do crescimento de Escherichia coli), quando utilizada de forma isolada sendo esta dose dependente.

Estudo realizado por Bhandarkar et al., (2020) em animais, demonstrou que a suplementação do pó de café (8 semanas), aumentou a diversidade da microbiota intestinal, diminuiu a razão Firmicutes/Bacteroidetes, e induziu aumento da abundância família Lachnospiraceae (bactérias associados à proteção contra o câncer de cólon). Isso sinaliza que tanto a cafeína de forma isolada como a utilização conjugada da cafeína na borra do café (junto ao ácido clorogênico, melanoidinas e fibras solúveis) podem favorecer o aumento da abundância de bactérias produtoras de ácidos graxos e cadeia curta tendo enfeito positivo em relação a microbiota intestinal.

É possível que haja efeitos benéficos do café/cafeína em relação a determinadas classes de doenças intestinais, porém sendo este efeito dose dependente. E não podemos deixar de lembrar que o uso da cafeína/café relacionado a performance esportiva deve seguir as recomendações em relação a dosagem utilizada e momento ideal em relação ao uso para evitar a ocorrência de sintomas intestinais durante a realização da atividade. 

Talvez num futuro próximo, saibamos quais os efeitos do uso da cafeína/café sobre a saúde intestinal de atletas de endurance (possíveis modificações associadas) em quadro de câncer colorretal (condições com grande redução do sistema imunológico e elevados estímulos pró-inflamatórios) e outras doenças as quase o desequilíbrio no ambiente intestinal faz parte de sua fisiopatologia.

Quer saber mais sobre o assunto? Acesse:

Artigo 1

Artigo 2

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